Notícias

22/09/2022

Matéria do jornal O Globo propaga equívocos sobre vegetarianismo. SVB recorre

Compartilhe

O artigo mencionado na matéria do jornal O Globo se chama “Nutrition and Health – The Association between Eating Behavior and Various Health Parameters: A Matched Sample Study” (autora principal: Nathalie T. Burkert, da Universidade de Medicina de Graz, Áustria). Ele pode ser lido na íntegra no site da US National Library of Medicine.

Veja abaixo o parecer da SVB, que foi devidamente encaminhado ao editor do jornal O Globo. Até o momento da última atualização desta matéria, o jornal não havia se manifestado.

  OS FATOS REAIS ENCONTRADOS NO ESTUDO  

O estudo é muito superficial e repleto de falhas que vão desde a coleta de dados até a interpretação dos resultados.  

A população considerada vegetariana era composta, na realidade, por 54,5% de pessoas que comiam carne branca (peixes). Isso, por si só, já impossibilita fazermos afirmações sobre a população vegetariana (que não come nenhum tipo de carne).  

As doenças estudadas não foram diagnosticadas por meio do estudo, já que as pessoas reportavam ao entrevistador problemas de saúde que tinham.  

A prevalência de doenças (dentre as 18 avaliadas) era maior no grupo “vegetariano” (lembrando que mais da metade dessas pessoas não eram vegetarianas) com referência às alergias, câncer e distúrbios de ansiedade e depressão. E nesse contexto é muito importante notar que os próprios autores, na página 6 do estudo, disseram que a dieta vegetariana pode ter sido adotada pelas pessoas para melhorar sua qualidade de vida. Em outras palavras, a pessoa busca uma dieta vegetariana para tentar melhorar sua condição de saúde quando ela já está deteriorada. Com isso, não era a dieta vegetariana que ocasionava as doenças mencionadas. Sua adoção pode ter sido feita para tratar essas doenças pré existentes.  

Outro ponto importante de destaque é que a maior porcentagem de mulheres estava no grupo verdadeiramente vegetarianos (ovolactovegetariano) e no que ingeria carnes brancas, sendo considerado o mesmo grupo, dos “vegetarianos”. Como as mulheres tendem a ser mais atentas ao próprio corpo que os homens, além de visitarem com mais frequência os médicos, já que pelo menos uma vez ao ano costumam ir ao ginecologista, a maior frequência de visitas ao médico não significa uma pior saúde, mas sim um maior cuidado com ela.  

Além disso, em visitas mais frequentes, exames e avaliações parciais tendem a ser feitas, muitas vezes dispensando a realização de check-ups frequentes.  

Com relação às alergias, como mencionado, a dieta pode ter sido melhorada na tentativa de tentar reduzir essas ocorrências. E devemos ter em mente que alergias podem ser alimentares, devido à inalação de substâncias e mesmo ocasionada por contato de substâncias com a pele. Alergia nem sempre tem relação com a dieta adotada. O estudo não especifica o tipo de alergia apresentada pelos participantes.  

Referente à presença de ansiedade e depressão, isso pode ser decorrente das doenças prévias em tratamento. Muitas pessoas buscam uma dieta mais saudável para tentar minimizar ou sanar esse problema. Manter uma dieta mais saudável, frente à alimentação glutona que encontramos nas ruas, pode ser um desafio para qualquer pessoa. Isso não significa que as pessoas tenham uma vida social ruim, mas sim que acabam sendo mais seletivas.  

O  estudo é muito superficial, pois foi feito com base em questionários que não avaliam os diversos motivos de surgimento das doenças. Ele não avalia o motivo que levou a pessoa a adotar uma dieta vegetariana (lembrando que os vegetarianos eram apenas 45,5% das pessoas consideradas vegetarianas no estudo).  

Frente aos dados apresentados pelo trabalho, seria perfeitamente viável uma conclusão diferente:   – As pessoas que comem menos carne (incluindo os vegetarianos – que por definição não consomem nenhum tipo de carne) adotam essa dieta para tentar obter melhor qualidade de vida frente a doenças crônicas que apresentaram.   

– Os vegetarianos e os que reduzem o consumo de carnes mostram maior cuidado com a saúde ao buscar avaliação médica com mais frequência.   Por estudos superficiais como esse, as pessoas tendem a criar conceitos equivocados das condições. Não está descartada a possibilidade de uma pessoa vegetariana que escolhe alimentos refinados, ultra-industrializados e frituras para utilizar no seu dia a dia tenha uma saúde pior que uma que come muito pouca carne e busca ingerir muitos alimentos de origem vegetal naturais e integrais. Mas o fato é que o estudo é demasiadamente superficial para afirmar qualquer coisa frente à saúde dos vegetarianos.    

 

AS FALHAS DO ESTUDO, EM DETALHES  

O estudo austríaco é baseado numa publicação recente e, lendo o estudo na íntegra, seria impossível não fazer considerações sobre equívocos de metodologia e interpretações cometidos.  

Vamos começar pela definição dos participantes.  

O estudo avaliou indivíduos de março de 2006 a fevereiro de 2007, e na Áustria, ele é feito a cada 8 anos. Pessoas contratadas esporadicamente (free-lancers) fizeram as entrevistas numa agência de estatísticas. Até aqui, tudo bem.  

Foram entrevistados 15.474 pessoas com mas de 15 anos, sendo 54,7% mulheres. Dessas pessoas entrevistadas havia:  

– 0,2% de veganos (57,7% eram mulheres);  

– 0,8% de ovolactovegetarianos (77,3% eram mulheres);  

– 1,2% de vegetarianos que consumiam peixe, ovo e laticínios (76,7% eram mulheres). Vegetariano come peixe? Claro que não! Mas esse estudo considerou que os vegetarianos podem comer peixe;  

– 23,6% referiam ter uma dieta “carnívora” com muitas frutas e verduras (67,2% eram mulheres);  

– 48,5% referiam comer uma dieta “carnívora” com menos rica em carne (60,8% eram mulheres);  

– 25,7% referiam consumir uma dieta “carnívora” rica em carne (30,1% eram mulheres).   Como podemos ver, a quantidade de “vegetarianos” era pequena, somando 2,2% dos entrevistados, compondo 343 indivíduos. Mas vegetarianos mesmo eram menos da metade deles. Com isso, os parâmetros de avaliação já foram errados! O grupo vegetariano era composto por 54,5% de pessoas que comiam carne branca (peixes).  

E como nem todos eles podiam ser pareados com os demais (por não ter correspondência adequada com idade, sexo e nível sócio econômico), sobraram 330 “vegetarianos” e, baseado nesse número, foram escolhidos 330 indivíduos de cada um dos outros grupos para comparação.  

O estudo avaliou o consumo de álcool, tabagismo e frequência de atividade física e associou isso em diversas faixas etárias e nos diferentes níveis de escolaridade dos participantes.  

Os próprios participantes diziam o que achavam da sua saúde! Ou seja, não houve diagnóstico das doenças declaradas pelos participantes e o questionário utilizado era grosseiro demais para identificar diferenças nas variáveis.  

É fato interessante que, comparado com homens, as mulheres tendem a se preocupar mais com a própria saúde e tendem a ter mais percepção sobre mudanças corporais. Observe que os grupos “vegetarianos” apresentavam mais mulheres que homens.  

Foram avaliadas a presença de 18 doenças crônicas (asma, alergias, catarata, zumbido, hipertensão arterial, infarto cardíaco, acidente vascular encefálico, bronquite, artrite, dores nas costas, osteoporose, incontinência urinária, gastrite ou úlcera, câncer, cefaléia e doenças mentais caracterizadas por ansiedade e depressão).  

O risco de doença cardiovascular foi estabelecido quando a pessoa referia hipertensão, elevação dos níveis sanguíneos de colesterol, diabetes e tabagismo.  

Quanto ao acompanhamento médico, foi simplesmente perguntado ao indivíduo sobre o número de médicos que consultados nos últimos 12 meses. Eles foram questionados sobre a ida a médicos como clínico geral, ginecologista, urologista, dermatologista, oftalmologista, ortopedista e otorrinolaringologista).  

Quando observamos a tabela 2 do artigo, vemos claramente que o grupo “vegetariano” relata uma pontuação pior para saúde em geral. O grupo “vegetariano” era o que tinha mais visitas aos médicos. Isso não significa uma saúde pior apenas tendo essa informação! Quando avaliamos o relato de doenças crômicas, as que tiveram diferenças estatísticas formam as alergias, cânceres e distúrbios de ansiedade e depressão.  

Os “vegetarianos” tinha, significativamente, menos incontinência urinária que os demais grupos e tinham o menor IMC (Índice de Massa Corporal). Os grandes comedores de carne tinham os maiores IMC.  

Não houve diferença na presença de tabagismo , prática de atividade física. O grupo “vegetariano” e o que comia pouca carne tinham os menores consumos de álcool.  

A presença de doenças era auto-relatada pelas pessoas. Os “vegetarianos” visitavam médicos mais regularmente, apesar de fazerem menos check-ups preventivos.  

O estudo ainda mostra que os vegetarianos tinham uma vida social de pior qualidade, baseada em critérios subjetivos.  

O autor sugere que os vegetarianos seguem essa dieta como consequência  de seus problemas de saúde, já que a dieta vegetariana é recomendada para a perda de peso e melhora da saúde. Mas mesmo assim finaliza concluindo que vegetarianos têm uma saúde pior que a dos demais grupos. Veja que isso sugere que a dieta vegetariana foi adotada devido a presença dessas doenças, no intuito de ter uma melhor qualidade de vida, e não que ela ocasionou problemas de saúde.            

Posts relacionados