Justiça Social – ODS

Estabelecidos pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2015, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são uma agenda mundial com 17 metas. Com a adesão de mais de 190 países, incluindo o Brasil, os ODS objetivam erradicar a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima, e garantir paz e prosperidade para todos.

O veganismo está diretamente alinhado com essa agenda, pois a adoção de uma alimentação vegana tem grande potencial para promover a justiça social e a proteção ambiental. Na sequência, vamos demonstrar que o veganismo, além de uma escolha ética e de respeito aos animais, também tem o poder de impactar positivamente questões globais urgentes, como a fome e as mudanças climáticas.

Atualmente, cerca de 780 milhões de pessoas sofrem de fome em todo o mundo, o que equivale a 10% da população global (ACTION AGAINST HUNGER, 2023). Além disso, 2,4 bilhões de pessoas enfrentam situações de insegurança alimentar (FAO, 2023). Apesar dos compromissos globais estabelecidos pela Agenda 2030 e pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), particularmente o ODS 2 – Fome Zero e Agricultura Sustentável, essas estatísticas têm piorado nos últimos anos, principalmente após a pandemia da COVID-19 (ibidem, 2023).

Neste contexto, é necessário discutir a adoção do veganismo como uma escolha que pode ir além do âmbito individual e se configurar também como uma questão de justiça alimentar. É fundamental debater essa alternativa em um cenário global de enorme disparidade na distribuição de alimentos já que, enquanto a produção mundial prioriza a nutrição animal para consumo humano, 10% da população do planeta enfrenta a fome.

É importante enfatizar que essa situação não é devido à escassez de produtos, mas sim à desigualdade. Embora haja alimentos em abundância no planeta, sua distribuição desigual resulta em milhões de pessoas passando fome. Para ilustrar essa questão, tem-se que a criação de animais para consumo utiliza 83% das terras agrícolas do mundo, mas fornece apenas 37% das proteínas e 18% das calorias consumidas globalmente (POORE; NEMECEK, 2018).

De acordo com dados da National Geographic Magazine (2024), somente 55% das calorias produzidas pelas plantações mundiais alimentam diretamente as pessoas, enquanto o restante é usado na alimentação de animais para consumo. Além disso, para cada 100 calorias (kcal.) de grãos fornecidas aos animais, obtêm-se cerca de 40 kcal. de leite, 22 kcal. de ovos, 12 kcal. de frango, 10 kcal. de porco e 3 kcal. de carne bovina (ibidem, 2024). Portanto, este processo é extremamente ineficiente. Assim, a adoção de uma alimentação à base de plantas, além de ser muito mais eficaz do ponto de vista energético, também proporciona melhores resultados à saúde do que as dietas à base de animais (BANSAL, 2018).

Do ponto de vista ambiental, o uso excessivo de recursos naturais na pecuária está esgotando a disponibilidade de água e solo necessários para o cultivo de alimentos em países com populações desnutridas (UNEP, 2020). A pecuária também é uma grande responsável pelas emissões de gases de efeito estufa, representando 18% das emissões globais. Além disso, é a principal contribuinte para a conversão de habitats e perda de biodiversidade (INTERNATIONAL AID FOR THE PROTECTION AND WELFARE OF ANIMALS, 2022).

Ao diminuir o consumo de alimentos de origem animal e optar por alimentos veganos, a terra usada para cultivo de ração e pasto poderia ser efetivamente utilizada para plantações, capazes de alimentar mais pessoas (SIGLER et al., 2017). Isso se torna especialmente relevante em um momento em que projeções globais apontam que, até 2050, a população mundial aumentará em 2 bilhões de pessoas (UNITED NATIONS, 2023). Somado a isso, pesquisas indicam que a demanda por alimentos de origem animal, como carne e laticínios, deve crescer quase 70% entre 2010 e 2050, com a maior parte da demanda vindo de países em desenvolvimento (WORLD RESOURCES INSTITUTE, 2019). Levando em consideração que a carne bovina requer 20 vezes mais terra e emite 20 vezes mais gases de efeito estufa por grama de proteína comestível do que proteínas vegetais comuns, como feijão, ervilhas e lentilhas (WORLD RESOURCES INSTITUTE, 2018), uma mudança no padrão alimentar mundial se mostra urgente.

Do ponto de vista ético, a exploração animal para o consumo humano também levanta sérios questionamentos sobre o sofrimento e morte de bilhões de animais anualmente. Somado a isso, há a questão do descaso com trabalhadores do setor, já que existe uma notável relação entre a indústria da carne e o trabalho escravo contemporâneo no Brasil, que é o maior exportador de carne bovina do mundo (REPÓRTER BRASIL, 2021). E, por fim, há a fome e insegurança alimentar imposta a uma grande parte da população mundial, que deixa de ter acesso a alimentos em detrimento da nutrição de animais para consumo.

Diante dessa realidade, a adoção de uma alimentação vegana, juntamente com iniciativas governamentais que incentivem tal transição, surge como uma solução viável e urgente para promover a justiça alimentar e alcançar o ODS 2. Em suma, uma mudança global na alimentação, focada em produtos vegetais nutritivos e acessíveis, tem o potencial de combater a desigualdade na distribuição de alimentos, contribuir para um uso mais sustentável dos recursos naturais e garantir segurança alimentar e saúde para todos.

Autora: Julia Lopes

Referências Bibliográficas:

ACTION AGAINST HUNGER. 10 facts about world hunger, 2023. Disponível no link, acesso em mar. 2024.

BANSAL, A. A medical case for a whole food, plant-based diet. Disponível no link, acesso em 30 mai. 2018.

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS (FAO). The State of Food Security and Nutrition in the World, 2023. Disponível no link, acesso em mar. 2024.

INTERNATIONAL AID FOR THE PROTECTION AND WELFARE OF ANIMALS. The Environmental Cost of Animal Agriculture. Disponível no link, acesso em 5 ago. 2022.

NATIONAL GEOGRAPHIC MAGAZINE. Feeding 9 billion, 2024. Disponível no link, acesso em mar. 2024

POORE, J.; NEMECEK, T. Reducing food’s environmental impacts through producers and consumers. In: Science 360, 987–992, 2018.

REPÓRTER BRASIL. Trabalho escravo na indústria da carne, 2021. Disponível no link, acesso em mar. 2024.

SIGLER, J. et al. Animal-based agriculture Vs. Plant-based agriculture. A multi-product data comparison, 2017. Disponível no link, acesso em mar. 2024.

UN ENVIRONMENT PROGRAMME (UNEP). 10 things you should know about industrial farming. Disponível no link, acesso em 20 jul. 2020.

UNITED NATIONS. Global issues – Population, 2023. Disponível no link, acesso em mar. 2024.

WORLD RESOURCES INSTITUTE. How to Sustainably Feed 10 Billion People by 2050, in 21 Charts. Disponível no link, acesso em 5 dez. 2018.

WORLD RESOURCES INSTITUTE. Creating a Sustainable Food Future. Disponível no link, acesso 19 jul. 2019.

O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 3 busca assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas e todos, em todas as idades. No entanto, a prevalência de uma dieta rica em alimentos de origem animal se caracteriza como um obstáculo significativo para o alcance dessa meta, exigindo reflexões e ações urgentes.

As Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) representam um dos maiores desafios à saúde pública global no século XXI. Entre as principais DCNTs estão hipertensão, diabetes, obesidade, doenças cardiovasculares, alguns tipos de câncer, entre outras. Essas doenças impactam significativamente a qualidade de vida e acarretam altos custos para os sistemas de saúde. Hábitos alimentares inadequados são um dos principais fatores de risco para o surgimento e agravamento de tais condições. Um estudo recente publicado por pesquisadores da USP revela que, no Brasil, cerca de 57 mil mortes prematuras (ou seja, mortes de pessoas de 30 a 69 anos) por ano são atribuíveis à má alimentação, o que representa 10,5% das mortes totais e 22% das mortes por DCNTs no país (NILSON et al., 2022).

Diversos estudos científicos confirmam a relação entre o consumo de alimentos ultraprocessados de baixa qualidade nutricional – geralmente com alto teor de açúcares, gorduras trans, sódio e aditivos alimentares – e o aumento do risco de DCNTs (LANE et al., 2021, RAUBER et al., 2018). A ingestão elevada de gorduras saturadas, provenientes principalmente de alimentos de origem animal, além do consumo de carne vermelha e processada também são prejudiciais pois aumentam as chances de diabetes tipo 2, doenças cardíacas, hipertensão, infartos, alguns tipos de câncer e morte precoce. Em consonância com as evidências científicas, em 2018 a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) classificou carnes vermelhas e processadas como cancerígenas. Por outro lado, uma alimentação baseada em vegetais está ligada a um estilo de vida mais saudável e à redução do risco de doenças crônicas (ALEIXO et al., 2020).

A UNEP (2023) apontou que há uma tendência global de consumo de alimentos prejudiciais à saúde, já que dietas tradicionais, baseadas em alimentos naturais e pouco processados, estão sendo cada vez mais substituídas por dietas ricas em alimentos ultraprocessados de baixa qualidade nutricional, causando impactos alarmantes para a saúde humana e o meio ambiente. Este fenômeno está associado à globalização e à intensificação dos sistemas alimentares, juntamente com a urbanização, o crescimento econômico e a expansão de mercados controlados por corporações transnacionais. Como consequência, observamos a prevalência de uma dieta ‘ocidentalizada’, caracterizada pelo alto consumo de alimentos de origem animal, produtos ultraprocessados, grãos refinados, açúcares e gorduras (ibidem, 2023).

Diante dessa realidade preocupante, é essencial incentivar dietas mais saudáveis e sustentáveis que minimizem o consumo desses alimentos. Nesse sentido, a adoção de uma alimentação vegana surge como uma medida promissora para garantir a saúde da população e do meio ambiente, alinhando-se ao ODS 3 – Saúde e Bem-Estar ao prevenir uma série de doenças e garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Vale ressaltar que o consumo de animais, além de estar associado a doenças crônicas não transmissíveis, gera diversos outros impactos negativos à saúde humana e ao meio ambiente. Isso ocorre já que os animais frequentemente são confinados em condições de superlotação e insalubres (HUMANE FOUNDATION, 2024). Tais circunstâncias, juntamente com as alterações do uso do solo resultantes da pecuária, promovem a propagação de uma série de doenças zoonóticas. Essa situação, evidenciada por pandemias como a gripe suína, gripe aviária e a COVID-19, afeta seriamente o bem-estar social e demonstra que a saúde humana está fortemente ligada à saúde animal e ao nosso ambiente compartilhado. Portanto, o consumo de animais, a exploração da vida selvagem e o desmatamento ameaçam seriamente a saúde e o bem-estar humano e planetário (CENTER FOR BIOLOGICAL DIVERSITY, 2024).

Importante enfatizar que a pecuária afeta a saúde humana também por meio da contaminação dos recursos hídricos. A agricultura é o setor que mais consome água, representando cerca de 70% de toda a água utilizada no mundo (WORLD BANK, 2022). Deste total, estima-se que a produção de carnes e laticínios seja responsável por aproximadamente 40% das demandas de água da agricultura (HEINKE et al., 2020). Os resíduos animais, bem como os fertilizantes e agrotóxicos usados nas plantações que os alimentam, são repletos de substâncias que escoam para corpos hídricos, o que resulta na poluição de lençóis freáticos e afeta a disponibilidade de água limpa (BURCH et al., 2021). Além de poluição, este fenômeno desencadeia um processo chamado eutrofização, que conduz à formação de “zonas mortas” – áreas onde a vida aquática é praticamente inexistente. A razão para isso são nutrientes como o nitrogênio e o fósforo, que aceleram o crescimento de florações de algas nocivas. Estas algas consomem o oxigênio da água, tornando-a inóspita para a maioria das formas de vida aquática (FAO, 2018). Tal situação coloca em risco a vida de milhões de pessoas que dependem do mar como fonte de renda.

A poluição do ar gerada pela pecuária é outra fonte de preocupação à saúde humana e ao planeta. Responsável por 14,5 a 20% das emissões globais totais, a pecuária é uma das principais responsáveis pelas emissões de gases do efeito estufa (UNEP, 2023). A transição para dietas à base de plantas poderia reduzir as emissões de GEE relacionadas à alimentação em 49% (ibidem, 2023). Não por acaso, pesquisas recentes afirmam que o consumo de leguminosas em detrimento de alimentos de origem animal é uma forma eficiente de reduzir substancialmente as emissões de GEE e combater as mudanças climáticas (HARWATT et al., 2017).

A resistência a antibióticos se configura como outra grave ameaça à saúde humana que está associada ao consumo de animais (CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION, 2022). O uso contínuo de antibióticos em animais de fazendas industriais (bem como em peixes na piscicultura em lagoas abertas) está levando ao surgimento de uma série de bactérias resistentes, tornando tratamentos comuns com antibióticos ineficazes. A pecuária industrial intensiva faz uso rotineiro de altos níveis de antibióticos, sendo que 75% da produção mundial deste medicamento destina-se à pecuária. Animais, incluindo suínos e frangos, são submetidos ao uso indiscriminado e irresponsável de antibióticos para promover crescimento acelerado e ocultar problemas de bem-estar animal. Como resultado, aproximadamente 1,27 milhão de pessoas morrem anualmente de infecções resistentes a antibióticos. Estima-se que este número aumente para 10 milhões até 2050 (WORLD ANIMAL PROTECTION, 2022).

Na contramão do alto consumo de alimentos ultraprocessados e de origem animal estão as regiões denominadas “Zonas Azuis”, áreas onde as pessoas têm maior expectativa de vida e, na média, vivem com boa saúde (KASSAM et al., 2021). Atualmente, existem cinco Zonas Azuis: Loma Linda na Califórnia, Ikaria na Grécia, a ilha da Sardenha, Okinawa no Japão e a Península de Nicoya na Costa Rica. Essas regiões compartilham uma série de fatores de estilo de vida comuns. Em relação à dieta, eles seguem predominantemente uma alimentação à base de plantas, composta por frutas, vegetais, legumes, grãos integrais, nozes e sementes minimamente processados. Nessas regiões, alimentos derivados de animais são consumidos raramente (ibidem, 2021).

Fica claro, portanto, que a saúde e o bem-estar dos animais, das pessoas e do planeta são interdependentes. A precariedade da saúde animal e do bem-estar na pecuária industrial intensiva afeta negativamente a saúde pública, a segurança alimentar e o meio ambiente. Logo, para alcançar e promover o ODS 3 – Saúde e Bem-estar, a adoção de uma alimentação vegana é uma estratégia crucial. Esta medida combate doenças crônicas, promove a sustentabilidade, preserva a biodiversidade e garante a saúde e a dignidade dos seres humanos e dos animais.

Autora: Julia Lopes

Referências Bibliográficas:

ALEIXO, M. Controle e redução de doenças crônicas não transmissíveis através da dieta à base de plantas: uma revisão abrangente. In: Alimentos: Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente, v.2(6), jun. 2021.

BURCH, T. et al. Quantitative Microbial Risk Assessment for Contaminated Private Wells in the Fractured Dolomite Aquifer of Kewaunee County, Wisconsin. In: Environmental Health Perspectives, v. 129, issue 6, jun. 2021.

CENTER FOR BIOLOGICAL DIVERSITY. How Wildlife Exploitation And Habitat Loss Fuel Pandemic Risk. Disponível no link, acesso em abr. 2024.

CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. About Antimicrobial Resistance, 2022. Disponível no link, acesso em abr. 2024.

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS (FAO). More people, more food, worse water? a global review of water pollution from agriculture. Rome, 2018. Disponível no link, acesso em abr. 2024.

HARWATT, H. et al. Substituting beans for beef as a contribution toward US climate change targets. In: Climatic Change v. 143, p. 261–270, 2017.

HEINKE, J. et al. Water Use in Global Livestock Production—Opportunities and Constraints for Increasing Water Productivity. In: AGU Advancing Earth and Space Sciences. v. 56, issue 12., p. 1-16, nov. 2020.

HUMANE FOUNDATION. Enfrentando a carnificina: as realidades da pecuária industrial e do sofrimento animal. Disponível no link, acesso em abr. 2024.

KASSAM, S. et al. Healthy diets as a guide to responsible food systems. In: Rethinking Food and Agriculture. Woodhead Publishing, 2021. Disponível no link, acesso em abr. 2024.

LANE, M. et al. Ultraprocessed food and chronic noncommunicable diseases: A systematic review and meta-analysis of 43 observational studies. In: Obes Rev, 22(3), mar. 2021.

NILSON, E. et al. Premature Deaths Attributable to the Consumption of Ultraprocessed Foods in Brazil. In: American Journal of Preventive Medicine, v. 64, p. 129-136, jan. 2023.

RAUBER, F. et al. Ultra-Processed Food Consumption and Chronic Non-Communicable Diseases-Related Dietary Nutrient Profile in the UK (2008–2014). In: Nutrients. 10(5), 2018.

THE WORLD BANK. Water in Agriculture. Disponível no link, acesso em abr. 2024.

UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME (2023). What’s Cooking? An assessment of the potential impacts of selected novel alternatives to conventional animal products. Nairobi. Disponível no link.

WORLD ANIMAL PROTECTION. Pecuária industrial intensiva: fábrica de bactérias multirresistentes, 2022. Disponível no link, acesso em abr. 2024.

O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 busca garantir uma educação de qualidade que seja inclusiva e equitativa para todos, promovendo oportunidades de aprendizagem ao longo da vida. Contudo, a exploração animal, que é profundamente enraizada em nossa sociedade, apresenta obstáculos significativos para atingir esse objetivo.

Um dos principais desafios para alcançar o ODS 4 é o trabalho infantil. Em comunidades que dependem de atividades agropecuárias, crianças são frequentemente retiradas da escola para trabalhar no campo, seja cultivando produtos para o gado ou cuidando diretamente dele, comprometendo assim seu acesso à educação. Isso limita suas oportunidades de desenvolvimento e perpetua o ciclo da pobreza (FAO, 2022).

Dados da FAO (2020) mostram que, em nível global, o setor agrícola concentra a maior parte do trabalho infantil (71%), com cerca de 108 milhões de crianças envolvidas na produção de culturas, pecuária, silvicultura, pesca ou aquicultura. No Brasil, a cadeia produtiva da agropecuária absorve diretamente o trabalho de mais de um milhão de crianças e adolescentes entre cinco e 17 anos (TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO, 2019). Este número equivale a 30% da população ocupada nesta faixa etária (3,3 milhões). Dentre as principais atividades econômicas dos estabelecimentos agropecuários onde há crianças e adolescentes com menos de 14 anos trabalhando, destacam-se as atividades da pecuária e criação de outros animais, com 46,8% (FNPETI, 2020). Ou seja, a criação de animais para consumo contribui para o trabalho infantil e prejudica o acesso à educação de qualidade.

Por outro lado, notamos a perpetuação de um modelo educacional que reforça a exploração animal. A educação tradicional muitas vezes apresenta uma visão especista, na qual animais são considerados seres inferiores, vistos como meros recursos ou ferramentas que estariam à disposição do ser humano. Esta perspectiva normaliza a exploração animal e impede o desenvolvimento de uma relação ética e compassiva com seres não-humanos.

Estudos indicam que crianças e animais compartilham uma compaixão instintiva inerente (SEPPÄLÄ, 2013). No entanto, influências culturais podem entrar em conflito com essa compaixão e empatia inatas das crianças, levando ao aprendizado de uma indiferença moral seletiva para com seres não-humanos (WILKS et al., 2020). Além disso, nas escolas, a ausência de conteúdos que abordem os impactos da exploração animal no meio ambiente e na saúde humana perpetua a ignorância sobre o tema. Esta lacuna educacional impede o desenvolvimento de um senso crítico sobre as relações que mantemos com os animais.

Nesse contexto, o veganismo se apresenta como uma poderosa ferramenta para transformar a educação e alcançar o ODS 4. Os benefícios do veganismo para a educação se relacionam à promoção de uma educação ética e compassiva que exalta valores como a empatia e o respeito por todos os seres vivos, preparando os alunos para serem cidadãos conscientes e engajados na construção de um mundo melhor, mais justo e menos violento.

Autora: Julia Lopes

Referências Bibliográficas:

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION – FAO. Dia Mundial contra o Trabalho Infantil: Fortalecendo os Esforços para Prevenir o Aumento do Trabalho Infantil na Agricultura. Disponível no link, acesso em 16 jun. 2020.

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION – FAO. FAO adds voice to calls for an end to child labour in agriculture. Disponível no link, acesso em 17 mai. 2022.

FÓRUM NACIONAL DE PREVENÇÃO E ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL – FNPETI. O trabalho infantil na agropecuária brasileira: uma leitura a partir do Censo Agropecuário de 2017. Disponível no link, acesso em março de 2020.

SEPPÄLÄ, E. Compassion: Our First Instinct. Science shows that we are actually wired for compassion, not self-interest. Disponível no link, acesso em 3 jun. 2013.

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO. Agropecuária utiliza trabalho direto de um milhão de crianças e adolescentes, aponta estudo inédito. Disponível no link, acesso em 19 nov. 2019.

WILKS, M. et al. Children Prioritize Humans Over Animals Less Than Adults Do. Psychological Science, 32(1), 27-38. Disponível no link.

Autora: Julia Lopes

O Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 5 busca alcançar a igualdade de gênero e empoderar mulheres e meninas, erradicando todas as formas de discriminação e violência contra mulheres. Contudo, a luta por um mundo mais justo, igualitário e sem violência de gênero vai além das relações humanas, passando também pelo bem-estar dos animais não-humanos. Ao examinarmos as raízes do sexismo e da exploração animal, encontramos paralelos que revelam como formas de opressão e violência contra mulheres e contra animais estão entrelaçadas.

Isso ocorre porque tanto o sexismo quanto o especismo se baseiam na mesma lógica de dominação. Ou seja, ambos se fundamentam na hierarquização arbitrária de um grupo sobre outro. No sexismo, os homens se colocam em uma posição superior às mulheres, justificando a discriminação, a subordinação e a violência. No especismo, os seres humanos se posicionam no topo da hierarquia das espécies, legitimando o uso e o sofrimento dos animais para seus próprios interesses. Nessa lógica, os animais deixam de ser sujeitos com subjetividade que existem por razões próprias e passam a ser vistos como objetos que existem única e exclusivamente para o ser humano (KO, 2014).

Essa lógica de dominação se manifesta de forma cruel na objetificação, que “consiste em analisar um indivíduo a nível de objeto, sem considerar seu emocional ou psicológico” (BELMIRO et al., 2015). Ou seja, é a redução de um indivíduo à condição de objeto que, teoricamente, poderia ser utilizado para o prazer ou benefício de um grupo específico. No caso das mulheres, a cultura patriarcal transforma seus corpos em objetos de desejo, fazendo com que sua aparência importe mais do que diversos outros aspectos que as definem enquanto indivíduos (LIMA, 2016). Já os corpos de animais são vistos como meras ferramentas para a produção de alimentos, lucro, pesquisa, ou mesmo entretenimento, sendo constantemente submetidos a condições precárias, sofrimento e morte prematura.

A indústria de laticínios expõe de forma clara a interconexão entre sexismo e especismo. As vacas leiteiras são constantemente inseminadas artificialmente para engravidar, separadas de seus filhotes logo após o nascimento e confinadas em ambientes precários e, muitas vezes, insalubres. Essa realidade brutal não apenas causa imenso sofrimento aos animais, mas também reforça a objetificação e a dominação dos corpos femininos. Portanto, apoiar e consumir produtos desta indústria enquanto lutamos contra a cultura de violência de gênero é contraditório.

Complementarmente, a crueldade contra animais e a violência contra pessoas têm algo em comum: ambas as vítimas são seres vivos, capazes de sentir dor e experimentar sofrimento. Não por acaso, conforme apontado por Hodges (2008), já foi estabelecida uma correlação entre o abuso de animais, a violência familiar e outras formas de violência comunitária. Diversas pesquisas indicam que pessoas que cometem atos de crueldade contra animais raramente se limitam a isso. Pessoas que abusam de seus cônjuges ou filhos frequentemente já causaram danos a animais no passado. Logo, pessoas que maltratam animais podem também representar uma ameaça para outros seres humanos. Um estudo de 2017 mostrou que 89% das mulheres que possuíam animais de companhia durante um relacionamento abusivo relataram que seus animais foram ameaçados, prejudicados ou mortos por seu parceiro abusivo (BARRETT et al., 2020). Não por acaso, muitos abrigos de violência doméstica aceitam cães e outros animais de companhia. Está provado que as mulheres tendem a não deixar seus parceiros abusivos se elas não podem levar seus companheiros animais com elas, pois temem pela vida de seus animais de estimação.

Ao reconhecer essas conexões, o veganismo se transforma em mais do que uma simples escolha alimentar, tornando-se um posicionamento ético crucial na luta por um mundo mais justo para animais humanos e não-humanos. O veganismo, ao se recusar a participar da exploração animal, se torna uma ferramenta poderosa na construção de um mundo mais justo e igualitário para todos os seres sencientes.

Referências bibliográficas:

BARRETT, B. et al. Animal Maltreatment as a Risk Marker of More Frequent and Severe Forms of Intimate Partner Violence. In: J Interpers Violence. 35(23-24), p. 5131 – 5156, 2020. doi: 10.1177/0886260517719542.

BELMIRO, D. et al. Empoderamento ou Objetificação: Um estudo da imagem feminina construída pelas campanhas publicitárias das marcas de cerveja Devassa e Itaipava. In: XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Rio de Janeiro, 2015. Disponível em <https://portalintercom.org.br/anais/nacional2015/resumos/R10-1863-1.pdf>, acesso em jun. 2024.

HODGES, C. The Link: Cruelty to Animals and Violence Towards People. In: Michigan State University College of Law, 2008. Disponível em <https://www.animallaw.info/article/link-cruelty-animals-and-violence-towards-people>, acesso em jun. 2024.

KO, A. 5 Reasons Why Animal Rights Are A Feminist Issue. In: Everyday Feminism. Disponível em <https://everydayfeminism.com/2014/12/animal-rights-feminist-issue/> 30 dez. 2014.

LIMA, I. O que é objetificação da mulher? In: Politize! Disponível em <https://www.politize.com.br/o-que-e-objetificacao-da-mulher/> 11 fev. 2016.

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