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22/09/2022

Carta resposta da SVB ao artigo sobre vegetarianismo no blog Dietbox

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O texto inicia-se afirmando a não existência de materiais e pareceres científicos que atestem a segurança e benefícios da alimentação vegetariana na prática esportiva, o que é um equívoco. Além de publicações atuais nos principais jornais e revistas científicas de renomados profissionais sobre o tema (referências no final deste texto), a Academia de Nutrição e Dietética Americana, na última atualização do seu Guideline, publicada em 2016, apresenta um parecer sobre dietas vegetarianas e veganas em que é atestada a segurança, qualidade e benefícios do tal modelo dietético para todas as fases da vida, da gestação, infância, gestação, fase adulta, senilidade e para os atletas. No mesmo parecer está a afirmação e não a “suposição” como coloca o profissional no texto que contestamos, de que a dieta vegetariana tem a capacidade de prevenir e também reverter as principais doenças crônicas não transmissíveis que configuram na atualidade as principais causas de morte humana no mundo, estamos falando de obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão e também o câncer. Para que fique clara a importância de tal documento, a Academia de Nutrição e Dietética Americana é considerada a maior instituição de dietética do mundo e a partir de suas publicações são elaborados os guias alimentares de todo o mundo. 

No texto o autor afirma que uma dieta vegetariana mal organizada pode levar à carência de certos nutrientes e micronutrientes. É relevante afirmar que, qualquer dieta mal organizada, inclusive as tais “dietas da moda” como a tal dieta “Low Carb” por exemplo, preconizada por certos profissionais de saúde também podem levar a carências nutricionais. Os nutrientes levantados no texto são na sua totalidade encontrados nos alimentos de origem vegetal com exceção da vitamina B12 que merece sim, maior atenção e muitas vezes deve ser suplementada com a ajuda de um profissional de saúde. 

A dieta vegetariana planejada (assim como toda dieta deve ser) propõe ao indivíduo que a pratica um abundante aporte de vitaminas, minerais, ácidos graxos essenciais, fibras e compostos bioativos, esses últimos, quase que em sua totalidade estão exclusivamente presentes em vegetais. Sim, a densidade calórica dos alimentos de origem vegetal é menor do que a dos alimentos de origem animal devido a esses serem ricos em gorduras, principalmente as saturadas, que aumentam o aporte energético de tais alimentos, pensando-se em valor calórico x 100g de alimentos. Vivemos uma pandemia de obesidade e doenças crônicas, a maior causa de morte no mundo são as doenças cardiovasculares, propor à população um modelo alimentar de menor densidade calórica, baixa ingesta de gorduras saturadas, maior densidade nutritiva e rica em fibras é, sem dúvidas, propor maior proteção, qualidade de vida e longevidade à população. No ambiente esportivo, no qual diversos profissionais especialistas em dietas vegetarianas trabalham há décadas, é sabido que as necessidades calóricas dos atletas são aumentadas devido ao maior gasto energético dos mesmos proporcional à frequência e intensidade da prática esportiva. Fazer adequações calóricas evitando-se desequilíbrios que possam levar à perda de massa muscular e piora do desenvolvimento esportivo, imunidade e outros aspectos elencados pelo autor, é uma necessidade básica dentro da nutrição esportiva independente do modelo dietético seguido pelo atleta e não é uma preocupação exclusiva do atleta vegetariano. 

Por último, o que nos causou certo espanto, são as afirmações do profissional sobre a qualidade e biodisponibilidade das proteínas de origem vegetal. Fica clara a falta de atualização técnica do profissional no que diz respeito a preceitos básicos da bioquímica e bromatologia. 

Primeiramente, afirmamos com base em pareceres técnicos (referências abaixo) que todos os aminoácidos essenciais, que são aqueles que animais não sintetizam, estão presentes no reino vegetal, indo mais a fundo, são sintetizados por plantas, sendo os animais que nos servem de alimentos meros acumuladores dos mesmos. Todos os alimentos de origem vegetal possuem proteínas e todos os aminoácidos essenciais em sua composição, sem exceção. A única proteína incompleta presente na alimentação humana é o colágeno, de origem animal. O que difere os alimentos de origem animal dos de origem vegetal são as quantidades desses aminoácidos essenciais em cada alimento. É correto afirmar que os alimentos de origem animal normalmente concentram uma maior quantidade de aminoácidos essenciais, tendo-se como base a referência de miligramas de aminoácidos essenciais por grama de proteína, comparados aos de origem vegetal, porém, assim como todos sabemos e o que é preconizado pelos guias alimentares, a alimentação humana deve ser variada e conter os principais grupos alimentares ao longo do dia, desta forma, o aporte de todos os aminoácidos essenciais dentro do modelo alimentar vegetariano é facilmente atingido uma vez que o valor calórico total recomendado da dieta seja atingido também. Em outras palavras, comparar proteínas do ponto de vista qualitativo levando-se em consideração seu perfil de aminoácidos não é relevante e é uma prática não recomendada pelas referências atuais uma vez que isso não impacta na qualidade da dieta escolhida. Sobre o teor de leucina na dieta vegetariana, podemos atestar com base em estudos comparativos que o aporte deste aminoácido é suprido com segurança na dieta vegetariana. A leucina está presente, assim como todos os outros aminoácidos essenciais e os de cadeia ramificada, nos vegetais. Estudos comparativos que avaliam a síntese proteica pós-exercício e pós consumo de proteína isolada de ervilha comparada ao consumo de whey protein em jovens praticantes de atividade física não apresentou diferença significativa e ambos os grupos suplementados com proteína vegetal e animal aumentaram a síntese proteica (o que leva ao ganho de massa muscular) comparados ao grupo controle não suplementado. Vale complementar que o consumo diário de lácteos e o uso frequente de suplementos proteicos à base de whey protein, alimentos ricos em leucina, vem sendo relacionado ao maior estímulo de fator m-tor que não somente induz à proliferação de células musculares como também ao estímulo à proliferação de qualquer tipo de célula o que alguns trabalhos científicos correlacionam com o estímulo ao desenvolvimento do câncer. 

Sobre absorção comparativa de proteínas e biodisponibilidade o autor cometeu mais equívocos. Primeiramente é importante esclarecer que o termo “valor biológico” foi criado na década de 60 e comparava o teor de aminoácidos essenciais dos alimentos considerando-se como referência o ovo. Este método de avaliação de qualidade protéica não levava em consideração a digestibilidade das proteínas assim como levantou o profissional. O método conhecido como PDCAA  (Protein digestibility-corrected amino acid score) criado na década de 90 para avaliar qualidade proteica sim, levava em consideração o score de digestibilidade das proteínas configurado pela excreção de nitrogênio nas fezes pós-consumo de diferentes matrizes proteicas. Tal método que classificava alguns alimentos vegetais como fontes de proteínas de menor biodisponibilidade comparados às de origem animal também não é mais utilizado pois, recentemente, com a publicação pela FAO do documento DIAAS (digestible indispensable amino acid score) ele foi superado também por equívocos metodológicos. O documento DIAAS, disponível para leitura no site da FAO é a última referência publicada sobre o assunto qualidade e biodisponibilidade de proteínas. Tal documento atesta através de ensaios laboratoriais que não existe diferença do ponto de vista prático entre o consumo de proteínas vegetais e animais, sendo ambas similares no que diz respeito à garantia de se prover o aporte adequado de aminoácidos essenciais aos humanos. E por último, contestando a afirmação do profissional sobre a presença de “antinutrientes” nos alimentos vegetais, foi levantada a presença de inibidores de tripsina, naturalmente presentes nas leguminosas que são as principais fontes de proteínas na dieta vegetariana. Pois bem, sim, existem tais substâncias que levariam à inibição da secreção da tripsina, uma das enzimas responsáveis pela digestão das proteínas no estômago o que levaria à má digestão e consequente má absorção dos aminoácidos nelas contidas, porém do ponto de vista prático isso não acontece. O profissional não levou em consideração o fato de que todas as leguminosas consumidas pelos humanos são submetidas a altas temperaturas no processo de cozimento, pois, não temos a capacidade e nem o hábito de consumir leguminosas cruas, o mais próximo disso seria o consumo de leguminosas germinadas, que pode ocorrer, sendo assim, tanto o aquecimento quanto a germinação inativam os inibidores de tripsina eliminando-os por completo o que obviamente também elimina a possibilidade de interferirem na digestão e absorção de tais proteínas, simples e óbvio não? Quanto a classificar o ácido fólico como um “antinutriente”, prefiro me abster pois não encontraria argumentos senão em publicações de décadas atrás. 

Mesmo que a empresa se abstenha da responsabilidade sobre os conteúdos publicados no blog que são de responsabilidade dos profissionais que os escrevem, consideramos ética e justa a publicação deste material para que possamos difundir e praticar a ciência e o compromisso que todos nós temos com a verdade. 

Alessandra Luglio
CRN-3 6893
[email protected]
Coordenadora do Departamento de Saúde e Nutrição da Sociedade Vegetariana Brasileira

 

Referências:

J Acad Nutr Diet. 2016;116:1970-1980.

http://www.fao.org/ag/humannutrition/35978-02317b979a686a57aa4593304ffc17f06.pdf

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30223451

https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/10408398.2017.1396202

Lisa M. Haider, et al. Critical Reviews in Food Science and Nutrition, 58:8, 1359-1374, 2018

Hermman et al. Clin Chim Acta, 2002. Allen. Nutr Rev, 2004.

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5579641/

https://www.drfuhrman.com/content-image.ashx?id=65m12qvx5stmidc00uft3w

 

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