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30/11/2025
COP 30 e a questão alimentar
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A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30), realizada de 10 a 21 de novembro em Belém do Pará, colocou o Brasil no centro das discussões climáticas globais. Os sistemas alimentares ganharam visibilidade expressiva no evento, com um pavilhão dedicado ao tema (Action on Food Hub) e o lançamento do Marco de Sistemas Alimentares e Clima para Políticas Públicas pelo governo federal, que estabelece princípios como o Direito Humano à Alimentação Adequada, Justiça Climática e Soberania Alimentar, com foco no fortalecimento da agroecologia e agricultura familiar.
Essa atenção não é casual: o sistema alimentar global responde por aproximadamente um terço das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE). Dentro desse contexto, a pecuária exerce impacto desproporcional por meio da emissão de metano entérico e pelo desmatamento contínuo para abertura de pastagens. Logo, sem uma reforma profunda neste setor, limitar o aquecimento global a 1,5°C torna-se inviável. Um estudo da FAO estimou que o modelo dominante do sistema agroalimentar global custa cerca de U$12 trilhões por ano em danos indiretos, o equivalente a 10% do PIB mundial. Esse valor inclui perdas com degradação ambiental, esgotamento de recursos hídricos, impactos na saúde pública e perda de biodiversidade.
Diante desse cenário, seria de esperar que a COP 30 priorizasse transformações profundas no setor. No entanto, o agro trabalhou intensamente para moldar o debate em outra direção. A narrativa dominante focou em soluções tecnológicas como intensificação sustentável, melhoramento genético, e sistemas de Baixo Carbono como a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). O objetivo dessa estratégia é posicionar a produção animal não como motor da crise climática, mas como parte da solução, essencial para a segurança alimentar. Essas tecnologias têm sim seu valor, mas concentrar-se exclusivamente nisso é ineficaz. O problema não é apenas como produzimos, mas o que produzimos e consumimos.
A COP 30 fracassou em integrar a questão do consumo nas decisões oficiais. O Pacote de Belém incluiu 29 documentos aprovados de forma unânime pelos 195 países participantes, mas nenhum estabeleceu metas sobre o tema. O documento final do evento, batizado de “Decisão Mutirão“, também não trouxe compromissos concretos sobre a transição de dietas, provando que o tema continua sendo um tabu diplomático. Isso ocorre porque lidar com o lado da demanda é politicamente arriscado. Falar em redução do consumo de carne envolve cultura, identidade, economia e interesses poderosos. É mais fácil, e menos ameaçador para o status quo, promover soluções tecnológicas e ganhos de eficiência do que questionar padrões de consumo.
Não podemos negar os avanços do evento: a alimentação entrou definitivamente na agenda climática. Houve espaço para vozes críticas e debates importantes aconteceram. Mas a COP 30 deixa uma sensação ambígua, com avanço no discurso e estagnação nas decisões. O Pacote de Belém perpetuou a omissão histórica das conferências climáticas ao tratar o consumo de alimentos de origem animal como uma variável periférica, culturalmente intocável e politicamente inconveniente.
A Sociedade Vegetariana Brasileira defende que qualquer estratégia climática séria precisa incluir a transformação dos sistemas alimentares. Isso passa necessariamente por reduzir o consumo global de produtos de origem animal. Essa transformação deve ser encarada como mitigação ambiental e também como estratégia vital de saúde pública.

Imagem: Tânia Rêgo / Agência Brasil

