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10/11/2025

Por que uma dieta à base de plantas é a “vacina” mais eficaz contra a crise climática

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por Geovana Gasparoto

A ciência é categórica. Em uma realidade em que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) alerta para a necessidade de “mudanças urgentes e sem precedentes”, uma das soluções mais eficazes para conter o aquecimento global pode estar, literalmente, em nosso prato. 

Firmado há 10 anos, o Acordo de Paris estabeleceu a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C. Porém, segundo a ONU, as ações atuais só devem conter o aumento em cerca de 2,3°C. Diante disso, adotar uma dieta mais sustentável desponta como uma medida imediata e eficaz para proteger o clima e a saúde.

Em uma sociedade habituada ao consumo diário de carne, retirá-la do prato ainda causa resistência. O convite aqui é que o debate vá além do hábito pessoal e olhe o panorama global. “O sistema alimentar responde por cerca de um terço das emissões de gases de efeito estufa (GEE), e a pecuária industrial é o principal ponto de alerta climático”, comenta o cientista e professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Artaxo.

O ônus ambiental da produção de carne — A ineficiência desse sistema se manifesta em três frentes. A produção global de carne bovina, que domina o setor, responde por cerca de 60% dos poluentes da atividade (FAO, 2023). No Brasil, representa 29% das emissões brutas (SEEG, 2024), devido ao metano — 34 vezes mais potente que o CO₂. Além disso, consome até 100 vezes mais área por grama de proteína que as leguminosas, impulsionando desmatamento e perda de biodiversidade.

A demanda nacional — Estudos indicam que reduzir o consumo de carne e adotar uma dieta vegetal pode diminuir o impacto ambiental em até 75% (Nature Food, 2023). “Reutilizar as vastas áreas hoje ocupadas por pastagens permitiria o reflorestamento, transformando o solo em sumidouro de carbono capaz de sequestrar o equivalente a 16 anos de emissões fósseis até 2050”, detalha o professor Paulo Artaxo.

Apesar de o Brasil ser grande exportador de carne, o cenário interno mostra mudanças: cerca de 15 milhões de brasileiros já se declaram vegetarianos estritos (Datafolha, 2025). O avanço impulsiona o mercado plant-based, líder na América Latina, com vendas projetadas acima de R$2,2 bilhões até 2026 (Euromonitor/GFI Brasil).

A nutricionista e especialista em alimentação à base de plantas Geane Fernandes destaca que o interesse em reduzir o consumo de carne cresce, com 74% dos brasileiros considerando essa possibilidade. “Os motivos são diversos: saúde (74%), preocupação ambiental (43%) e ética animal (42%)”, afirma.

Vegetariano estrito x vegano — O vegetarianismo estrito refere-se exclusivamente à dieta alimentar, excluindo carne, laticínios, ovos e mel. Já o veganismo vai além da dieta, rejeitando qualquer forma de exploração animal, o que se estende a vestuário (couro, lã), cosméticos e entretenimento (zoológicos, rodeios).

Questão social — Outra pauta que se conecta é a das lutas sociais e políticas. O movimento Veganismo Popular em Movimento (VEM), que levou sua agenda à Cúpula dos Povos em Belém – evento paralelo à COP30 –, afirma que o veganismo é encarado como uma luta ética.

A ativista e doutoranda em desenvolvimento socioambiental pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Michele Muriel, defende que há uma lógica de dominação que oprime animais e pessoas. “O veganismo propõe uma transformação cultural essencial à superação da crise climática — o que inclui enfrentar o agronegócio, resgatar a agroecologia e os saberes dos povos originários, além de defender uma Reforma Agrária Justa que fortaleça a produção local e a soberania alimentar.

Questão de saúde  — A principal barreira à mudança alimentar é a pergunta: “Se eu não comer carne, o que vou comer?”. Essa resistência vem da crença de que “o ser humano sempre comeu carne”, embora a ciência mostre que nossa dieta é mais cultural que biológica. A capacidade de digerir leite na vida adulta, por exemplo, é uma adaptação recente, ligada à pecuária, e não uma característica natural da espécie.

Geane reforça que uma alimentação à base de plantas é viável no Brasil e oferece benefícios à saúde, como a prevenção de doenças cardiovasculares e a redução do colesterol. Segundo ela, a base da alimentação nacional já é naturalmente rica em vegetais, com arroz, feijão e leguminosas. Para quem teme a falta de nutrientes, Geane esclarece que, assim como uma dieta onívora pode ser desequilibrada se baseada em ultraprocessados, a dieta vegetal requer apenas planejamento e variedade alimentar.

O tema é inegociável — Se você ainda não se convenceu da relevância do tema, vale lembrar que garantir um futuro habitável e justo exige, com urgência, respeitar os limites do planeta. Mudar o que colocamos no prato é uma das formas mais eficazes de enfrentar, a curto prazo, a maior ameaça à humanidade. Não dê banana para o tema e nem para sua parcela de responsabilidade individual. A dieta da sobrevivência é, inegavelmente, a dieta à base de plantas.

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