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23/01/2007

Vegetarianismo e Combate à Fome

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Quando consideramos a quantidade de recursos necessários para a produção pecuária, torna-se evidente sua participação neste processo. A maior parte dos grãos cultivados no mundo, cerca de 465 milhões de toneladas é utilizada para alimentar e engordar o gado. Mesmo o fato de que este gado será posteriormente utilizado para alimentar seres humanos não justifica tal desperdício, visto que a produção de carne representa um uso ineficiente dos grãos. São necessárias cerca de 11 a 17 calorias de proteínas de grãos para criar cada caloria de proteína de carne bovina, suína ou de frango.

Os grãos são utilizados de forma mais eficiente quando consumidos diretamente por seres humanos e a explicação para isto se encontra na pirâmide de níveis tróficos (gr. Trophos = alimento). A pirâmide mostra que animais que se alimentam de organismos produtores (vegetais) obtêm mais energia e, portanto, podem sustentar uma maior biomassa (maior número de indivíduos). Pelo contrário, organismos que se alimentam em níveis mais altos da cadeia alimentar (predadores), recebem apenas uma fração da energia que os vegetais sintetizaram mediante fotossíntese, e por este motivo, devem manter uma menor biomassa (poucos indivíduos).

Devido ao tamanho da biomassa de seres humanos, a alimentação em níveis altos da pirâmide impossibilita o acesso de uma maior parte da população a recursos mínimos. A minoria que detém o monopólio da terra e dos recursos não tem interesse na produção de vegetais para alimentar seres humanos, mas sim para alimentar o gado, pois a pecuária se constitui em uma atividade muito mais lucrativa do que a agricultura. Um gato de estimação americano consome mais grãos, indiretamente, do que um ser humano na Ásia, África ou América Latina.

Se somente 0,3 % das 465 milhões de toneladas de grãos utilizados para alimentar o gado fossem utilizados diretamente para alimentar seres humanos, isto seria suficiente para salvar da desnutrição as 6 milhões de crianças menores de 5 anos que morrem deste mal todos os anos no mundo. Apenas 2,5% deste total seria suficiente para acabar com a fome no Brasil e 50% deste total seria suficiente para acabar com a fome no mundo. Caso, hipoteticamente, todos os grãos atualmente utilizados para alimentar o gado fossem destinados à alimentação de seres humanos, seria possível alimentar quase 3 bilhões de pessoas, o que corresponde à metade da população mundial atual.

Comparações de rendimentos entre atividades agropecuárias

A tabela abaixo expressa o rendimento por hectare de algumas culturas vegetais e animais em termos de quilos/hectare. Considerando as quantidades de calorias por quilo de alimento e as necessidades calóricas humanas, calculamos a quantidade de pessoas que poderiam ser mantidas por hectare de terra, com as referidas culturas.

Tabela 1 – Rendimentos por hectare de diferentes culturas

Cultura

Rendimento (kg/ha/y)

Cal/kg c

Pessoas/ha

Milho

6.548a

3.610

25,90

Soja

2.512a

4.000

11,01

Arroz

3.675a

3.570

14,38

Feijão

3.816a

3.370

14,09

Trigo

2.203a

3.320

8,01

Mandioca

14.154a

1.490

23,11

Leite

900 l

630

0,62

Carne bovina

34b

2.250

0,08

a- IBGE, Abril 2006. ; b-Embrapa; c- IBGE/ENDEF, 1996

Note-se que não se espera que um ser humano sobreviva somente do consumo de algum dos itens acima, mas tabela proporciona uma boa visão comparativa de rendimento entre as diferentes atividades. Uma pessoa que consumisse suas 2.500 calorias diárias somente em carne bovina necessitaria de mais de 12 hectares por ano para satisfazer suas necessidades. Por outro lado, um único hectare seria suficiente para sustentar mais de 25 pessoas cosnumindo suas calorias em milho ou mais de 23 pessoas consumindo suas calorias em mandioca. 

A tabela permite verificar que é possível destinar uma mesma área para o sustento de poucos ou de muitos. Provavelmente a percepção deste problema tenha contribuído para tornar o vegetarianismo popular no oriente desde tempos remotos. Mediante a adoção de hábitos vegetarianos ou muito próximos disto, povos antigos puderam minimizar os conflitos por terras e a fome.

Consumo de carnes e fome

A maior parte da população mundial pratica uma espécie de vegetarianismo não opcional, por simplesmente não ter acesso à carne. O consumo mundial de carne está concentrado em poucos países: Os EUA e a China, concentram juntos cerca de 25% da população mundial,  no entanto, estas populações são responsáveis pelo consumo de 35% da carne bovina, mais de 50% da carne de frango e 65% da carne suína do mundo. Se acrescentarmos a população do Brasil e da União Européia a estas populações, teremos o consumo de mais de 60% da carne bovina, mais de 70% da carne de frango e mais de 80% da carne de porco.

O lobby da carne contra-argumenta que um aumento na produção pecuária poderia tornar a carne acessível para todos, mas isto não seria uma alternativa viável, pois para sustentar uma população de 6,5 bilhões de pessoas consumindo carne seriam necessárias extensões de terra além da capacidade do planeta. Além disso, tal ação comprometeria os já escassos recursos naturais restantes, resultando em um total colapso de todos os sistemas naturais (ver o texto “Vegetarianismo e Conservação Ambiental”).

De fato, o aumento na produção animal nas últimas décadas não colaborou em nada com o problema da fome mundial, pelo contrário. Segundo a FAO (1998), de 1960 a 1997 o rebanho bovino cresceu 42%, o de ovelhas cresceu 32%, de porcos 131%, de galinhas 244%. Neste período, a população humana cresceu 90%. Esta claro que o aumento na produção de animais para consumo não será solução para o problema da fome.

A solução para o problema da fome mediante o vegetarianismo:

Sem dúvida muitas são as causas para o problema da fome. As soluções para este problema, porém, são poucas. O vegetarianismo não pode assegurar que os alimentos chegarão a quem tem fome, porque isto esbarra em problemas políticos, melhor distribuição de recursos, interesses particulares etc. Por outro lado, em termos de produtividade o vegetarianismo tem uma grande contribuição a dar. Qualquer projeto que vise o combate à fome, a implementação de um sistema produtivo sustentável onde o uso da terra seja otimizado de forma a satisfazer as necessidades do maior número possível de pessoas, deverá considerar o vegetarianismo. Esta não é uma questão de opções, mas de necessidade latente.

*Sérgio Greif
Biólogo, Coordenador do Departamento de Meio Ambiente da Sociedade Vegetariana Brasileira,  Mestre em Alimentos e Nutrição, Especialista em Nutrição Vegetariana

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