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22/09/2022

RESPOSTA DA SVB À BBC NEWS

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Iniciar a reportagem fazendo uma comparação entre seres humanos, que são onívoros, e primatas que são herbívoros, não parece ser um bom método de comparação, porém avaliemos a seguir.

Ao contrário do que a reportagem informa, o ser humano não comeu carne sempre; muito tempo após a separação de nosso ancestral comum com os chimpanzés e os bonobos, nós ainda não comíamos carne. A diferenciação do tamanho do intestino aconteceu após a descoberta do fogo, quando aprendemos a usar o calor pra preparar os alimentos, e a digestão, principalmente de carboidratos, ficou mais fácil e passou a requerer menor área absortiva. 

Logo, essa argumentação de comparação de superfícies intestinais com as de outros primatas parece ser um artifício para confundir o leitor, pois temos inúmeras evidências de que a dieta ocidental padrão, baseada em produtos animais e processados, está nos levando às chamadas doenças crônicas não transmissíveis, como obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes e alguns tipos de câncer. 

A energia necessária para atingir a taxa metabólica basal é facilmente alcançada com a alimentação vegetariana, que fornece sim todos os aminoácidos essenciais. A taurina, citada no texto, é um aminoácido não-essencial, ou seja, nosso organismo produz e não precisa ser consumida na dieta, ao contrário de animais carnívoros. O ômega-3 é facilmente encontrado em sementes, como as de chia e de linhaça, e também convertido e absorvido no nosso organismo.

Falando em desenvolvimento do cérebro, é curiosa a argumentação da reportagem, uma vez que estudos recentes (e antigos) comprovam que foi a introdução de alimentos cozidos, que trouxeram um considerável aumento dos carboidratos digestíveis, que possibilitou acomodar o aumento da demanda metabólica para o aumento do cérebro. Há grandes evidências de que o amido cozido, uma fonte de glicose pré-formada, aumentou muito a disponibilidade de energia para os tecidos humanos com alta demanda de glicose, como o cérebro, glóbulos vermelhos e para o feto em desenvolvimento. 

É de notório conhecimento que o ferro não-heme, abundante no grupo alimentar das leguminosas, tem sua ligeira redução de absorção em relação ao ferro-heme, presente em carnes animais, o que tem-se mostrado como uma vantagem à saúde, uma vez que o excesso de ferro está relacionado a maiores riscos cardiovasculares e a problemas inflamatórios intestinais. Além disso, estudos demonstram que a prevalência de anemia é semelhante entre onívoros e veganos.

Dizer que o aumento da longevidade dos seres humanos é devido à digestão de gorduras animais é praticamente uma afronta à ciência, uma vez que já está bastante estabelecido que quanto mais vegetariana e integral for a alimentação, menores os riscos de diversos tipos de doenças. As amplamente estudadas “zonas azuis”, locais em que a taxa de longevidade é muito maior que em outros lugares do planeta e a alimentação é basicamente à base de plantas, demonstra isso na prática. 

Justificar nossos hábitos atuais com base em práticas ancestrais e rudimentares é desmerecer não somente os fatores evolutivos, os conhecimentos epigenéticos que nos confirmam que nem mesmo a genética seja nosso destino, ou melhor, que o meio ambiente e nossas escolhas ao longo de nossas próprias vidas modulam nossos genes e desta forma, comprovamos nossa capacidade adaptativa. 

Em resumo, justificar nossas atitudes no século XXI baseando-se em hábitos pré-históricos é desmerecer todo a evolução intelectual da humanidade e mais ainda, nossa responsabilidade imposta pela consciência que temos hoje da não necessidade de ser comer animais e de não compactuarmos com o maior responsável por danos ambientais e éticos da atualidade.

Texto:
Maria Julia Rosa CRN2 14630
Alessandra Luglio CRN3 6893

 

 

Referências:

MELINA, Vesanto; CRAIG, Winston; LEVIN, Susan. Position of the academy of nutrition and dietetics: vegetarian diets. Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, v. 116, n. 12, p. 1970-1980, 2016.

MEDAWAR, Evelyn et al. The effects of plant-based diets on the body and the brain: a systematic review. Translational psychiatry, v. 9, n. 1, p. 1-17, 2019.

HARDY, Karen et al. The importance of dietary carbohydrate in human evolution. The Quarterly review of biology, v. 90, n. 3, p. 251-268, 2015.

BELO, Lucas Lima Andrade; TELES, Kátia Inêz; SILVA, Heslley Machado. Efeitos da alimentação na evolução humana: uma revisão.

 

BUETTNER, Dan; SKEMP, Sam. Blue zones: lessons from the world’s longest lived. American journal of lifestyle medicine, v. 10, n. 5, p. 318-321, 2016.

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