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04/05/2010
Vânia Rall
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Vânia Rall é bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (1982 – 1986), ex-estudante de Letras (Português – Francês) na Universidade de São Paulo (1987 -1988), advogada e tradutora pública. Coordena o Departamento Jurídico da Sociedade Vegetariana Brasileira.
Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Potiguar – Rio Grande do Norte (2008) com a tese “Objeção de consciência à experimentação animal”, diretora cultural do IAA [Instituto Abolicionista (da exploração) Animal] e pesquisadora do núcleo de estudos de direitos dos animais do Laboratório de Estudos sobre a Intolerância (LEI), da Universidade de São Paulo.
Atuante desde 1997 na causa pelos direitos dos animais, propôs representações contra o Centro de Controle de Zoonoses do Guarujá – São Paulo (1997) e contra rodeios realizados em Bauru (1999 e 2005), em Avaré (1998) e em Agudos (1998).
Elaborou projetos de leis favoráveis aos animais, tendo um deles se transformado na lei municipal bauruense nº 4.428/1999, que, dentre outras coisas, trata da objeção de consciência à experimentação animal. Já o projeto de lei federal nº 1.691/2003, feito em parceria com o promotor de justiça Laerte Fernando Levai e proposto pela deputada Iara Bernardi, que restringe ao máximo os experimentos com animais, não obteve aprovação. O projeto de lei estadual nº 553/ 2008, apresentado pelo deputado Fernando Capez, também feito em parceria com Laerte Levai, trata da objeção de consciência à experimentação animal e ainda está tramitando pela Assembléia Legislativa de São Paulo.
Autora de artigos e de traduções referentes aos direitos dos animais.
Vânia Rall apresentará no 3o Seminário Alimentação Ética, Saudável, sustentável o seguinte tema:
Plutarco e as bases morais da alimentação sem carne
Mais conhecido por sua obra “Vidas paralelas”, em que compara a vida de gregos e romanos ilustres, o historiador e filósofo grego Plutarco (45 d.C.? – 125 d.C.?) também foi autor de vários opúsculos morais e políticos não tão prestigiados, mas nem por isso menos importantes.
Alguns desses opúsculos que chegaram até nós tratam especificamente dos animais e da nossa relação com eles. Em “De esu carnium”, “Bruta animalia ratione uti” e “De sollertia animalium”, o ilustre cidadão de Queronéia, em pleno século I da era cristã já defendia a ideia de que os animais eram seres dotados de alma e de razão, sendo a razão animal mais próxima da natureza do que a razão humana.
Com admirável ousadia intelectual, Plutarco condena, sobretudo no “De esu carnium”, o fato de nos alimentarmos dos animais, uma vez que essa atitude representa uma violência e uma crueldade para com esses seres, que, assim como nós, têm direito à vida.
Com ideias e conceitos muito avançados para a época em que viveu, o filósofo grego já condenava o que hoje chamamos de “cultura do excesso”. Para o pensador, a terra possui mais do que o necessário para nossa alimentação, sendo o ato de comer carne um capricho humano que deveria ser evitado.
Plutarco recrimina também a mesa dos ricos, cujos cozinheiros – dos mais simples aos mais sofisticados – não passam de “cabeleireiros de cadáveres”. Critica não só a mesa em si com seus pratos diversificados e abundantes, mas também a existência frequente de restos alimentares, que representam animais mortos inutilmente, uma vez que nem comidos foram.
Fora esses argumentos morais que desautorizam a alimentação carnívora, o autor de “De esu carnium” afirma que o homem não é carnívoro por natureza devido à sua estrutura física desprovida de bicos curvos, de garras e dentes afiados, de vísceras resistentes e líquidos passíveis de digerir e de assimilar uma refeição pesada à base de carne. Para por à prova esse argumento, desafia o leitor a matar um animal pessoalmente, somente com as mãos, a exemplo dos ursos e leões. Desafia igualmente o leitor a matar somente com a boca um boi, um porco ou mesmo uma lebre ou um cordeiro, devorando-os ainda vivos como fazem os animais carnívoros. Ademais, a crítica plutarquiana se estende ao fato de temperarmos as carnes que comemos como se precisássemos disfarçar seu odor e seu sabor característicos, o que seria mais uma demonstração de nossa incompatibilidade com a alimentação carnívora.
Ao antecipar temas que ressurgiriam séculos depois, Plutarco acaba oferecendo respostas a várias dúvidas do homem moderno. Prova disso é que, ainda mais nos dias de hoje, dificilmente a razão humana deixaria de se curvar ao argumento central do opúsculo “De esu carnium”:
“Todavia, nada perturba o nosso senso de decência, nem a florescente aparência destas criaturas desventuradas, nem o fascínio de sua voz harmoniosa, nem a perspicácia de sua mente, nem a pureza de seu modo de viver, nem a sua extraordinária inteligência. Ao contrário, por um minúsculo pedaço de carne privamos um ser vivente da luz do sol e do curso da existência, para os quais ele nasceu e foi gerado. Além disso, acreditamos que os sons e gritos que os animais emitem sejam vozes inarticuladas, e não, acima de tudo, orações, súplicas e pedidos de justiça…”.
Por tudo isso, espera-se a retomada dos estudos de sua obra, que, após o advento do positivismo e do historicismo, foi injustamente relegada ao esquecimento. Como vimos, quase vinte séculos depois de sua morte, Plutarco mostra-se mais atual do que nunca.